terça-feira, 2 de dezembro de 2014

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Viagem sem volta - parte 1



Por A. F. Zorini
Dois anos se passaram desde a ultima vez em que escrevi algo. No começo achei que seria interessante fazê-lo, útil, achei que poderia fazer um registro histórico dos fatos, no caso das coisas se resolverem num tempo curto, afinal, epidemias começam e terminam, mas depois de quase dois anos com as coisas apenas piorando, já não tenho mais esperança que nada melhore. Escrevo agora simplesmente para tentar manter minha sanidade, como uma forma de distração pouco eficaz em meio a todo esse caos que, ao que parece, tomou o mundo todo.

O que começou com casos isolados de uma gripe comum, mostrou-se muito mais do que isso nos últimos anos. AIDS, Ebola, pestes, achei que já havia visto de tudo, achei que não pudesse vir nada de pior , mas após o primeiro ano, após as primeiras mortes em vários países do globo, as pessoas começaram a cair como moscas. Bairros inteiros em dias, depois disso, cidades. As pessoas entraram em pânico, nunca tínhamos visto nada parecido e tão devastador e inexplicável. Ninguém soube dizer como começou, como se alastrou ou do que se tratava, não houve tempo.
De minha parte, peguei minha mulher e meu filho e saí da cidade grande. Sempre detestei São Paulo, com seu emaranhado de viadutos, aquele rio fedorento e os edifícios sem fim. Com os serviços de segurança e saúde entrando ficando a cada dia mais colapsados e a anarquia tomando conta da cidade, não passei muito tempo refletindo sobre o assunto, peguei Joaquim e Marta e fomos pra chácara que meus pais me deixaram, no interior do Estado. Limpei minha conta no banco, reuni os suprimentos que consegui e pegamos a estrada.
O que eu não contava, na época é que muitos haviam tido a mesma ideia, fugir da epidemia, do caos, saindo das cidades grandes em direção ao interior do Estado ou até mesmo outras regiões do país, as quais as autoridades afirmavam ser mais seguras. As estradas estavam um inferno e o que deveria ter sido uma viagem de quatro horas se prolongou por quase nove. Devo ter visto uns dois ou três acidentes no percurso, sendo um deles bem grave, mas não podia parar, não tinha tempo. Joaquim só tinha seis anos na época, Marta estava apavorada e eu só queria chegar com os dois logo, em segurança na chácara. Lá, acreditava eu, estaríamos seguros, afastados, isolados.
Estranhamos ao encontrar todas as luzes da casa apagadas quando chegamos à chácara, já exaustos. Minutos antes, quando saí da estrada asfaltada e entrei numa de terra, rumo ao portão da chácara, notei que as luzes dos postes estavam apagadas e a única coisa que me permitia enxergar o caminho à minha frente eram os faróis da caminhonete. Não me importei muito com esse detalhe, porque estradas de terra em sua maioria tem pouca ou quase nenhuma manutenção, mas encontrar as luzes da casa apagadas foi estranho. Tínhamos José, o caseiro, e durante a noite e toda a madrugada, ele sempre deixava algumas luzes de fora acesas. Questão de segurança. Mas estranhei ainda mais não ter ouvido o cachorro, faça chuva ou faça sol, noite ou dia, o desgraçado fazia uma algazarra, cada vez que alguém chegava.
Tirando o barulho do motor, só havia o silêncio... e a escuridão que parecia envolver tudo ao redor como um manto negro gigantesco.

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